Ensino da Acupuntura no Brasil e a omissão da verdade.

CURSOS DE ACUPUNTURA OMITEM A VERDADE

No Brasil, a formação profissional em Acupuntura está passando por um processo de deterioração e de manipulação da verdade. Estamos formando acupunturistas ou “agulheiros”? Diferentemente dos verdadeiros acupunturistas, os agulheiros (termo pejorativo usado no Japão atribuído aos acupunturistas incompetentes) ou pseudo-acupunturistas são aqueles que não concluíram uma formação clínica completa no assunto e, na maioria das vezes, dedicam-se a tratamentos sintomáticos. Estes pseudo-acupunturistas empregam apenas recursos elementares da Acupuntura por ignorar a riqueza do universo terapêutico da Medicina Tradicional Chinesa (MTC).

Nos últimos tempos, a oferta de ensino em Acupuntura no país teve um crescimento muito expressivo em detrimento da qualidade técnica, científica e, sobretudo, humanista, pelo fato de não existir uma preocupação adequada e cuidadosa com a formação de professores. Alunos de Acupuntura mal finalizam seus estudos básicos, já são “convocados” ou seduzidos por donos de cursinhos para debutarem numa trajetória educacional da qual não têm experiência nem competência. Diga-se de passagem, que os proprietários desses cursos, na maioria das vezes, não têm intimidade com o assunto, estando interessados tão-somente em lucros fáceis. Geralmente ofertam, através de um marketing agressivo e antiético, cursos de Acupuntura com baixos custos e promessas de ensino de qualidade. Para subsistirem, aliciam professores de instituições regulares, oferecendo falsas vantagens e promessas de todo tipo. Obviamente, alguns docentes sucumbem à sedução de empresários mercantilistas e antiéticos.

Para agravar a fragilidade educacional nessa área do saber, algumas entidades de ensino superior (IES) terminam por “chancelar”, inadequadamente, cursos de baixíssima qualidade, concedendo aos alunos inadvertidos o título de “pós-graduação em Acupuntura”. A lógica da conduta dessas IES é auferir lucros, abdicando de sua responsabilidade acadêmica. Curiosamente, algumas delas se aventuram em promover tais cursos, porém sem corpo docente competente e sem infraestrutura ambulatorial para o treinamento clínico. O resultado é de se esperar: profissionais “pós-graduados” em Acupuntura sem nenhuma competência para o exercício profissional.

O mercado de trabalho na área da Acupuntura e MTC, no Brasil, estará em pouco tempo corrompido se nada for feito para informar aos interessados em estudar Acupuntura de que a mesma, enquanto recurso terapêutico da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), é parte integrante e indissociável do sistema tradicional de saúde do Extremo-Oriente, remontando há milhares de anos de experiência e sabedoria. Alicerçada em uma rica doutrina clássica da cultura oriental, a Acupuntura é fundamentada em valores essencialmente humanistas, e não apenas tecnicistas.

A Acupuntura no mundo ocidental está sofrendo um processo de espoliação de conteúdo, de práticas e de conhecimentos, um verdadeiro esbulho cultural, uma distorção de seus princípios e de seus objetivos. Não é factível falsear ou “adequar” uma legítima tradição da cultura oriental unicamente para satisfazer interesses ou necessidades de segmentos absolutamente divergentes e em dissonância e desarmonia com a essência da mesma.

Dessa forma, está a ocorrer no Brasil uma deformação da Acupuntura enquanto racionalidade da MTC. Essa terapia milenar é reconhecida mundialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) há várias décadas e se encontra regulamentada em diversos países desenvolvidos, porém, no Brasil, ainda se discute a sua validade como ciência ou profissão.

As diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS) relativas ao Treinamento Básico e Segurança em Acupuntura tem preconizado uma programação acadêmica de estudos teóricos e práticos para a formação em Acupuntura no intuito de garantir a competência razoável nesse campo do saber. A verdade é que as instituições de ensino no Brasil não atendem as recomendações da OMS.

Faz-se necessário muito tempo de estudo para que profissionais de saúde tenham uma familiarização efetiva com a doutrina, com os fundamentos e as teorias clássicas, bem como com as clínicas dos diversos recursos terapêuticos, com os treinamentos na esfera psicomotora com procedimentos invasivos e não invasivos e, finalmente, com o aperfeiçoamento clínico em MTC. Além disso, faz-se imprescindível a familiarização com as pesquisas científicas em geral e, em particular, com a metodologia da estimulação neurológica em receptores específicos, com efeitos de modulação da atividade neuroimunoendócrina.

A maioria dos acupunturistas formados por escolas de baixa qualidade mal se dedica ao tratamento de doenças musculoesqueléticas e neurológicas, ignorando um universo de indicações dessa arte-ciência oriental na saúde e no adoecimento humano por pura falta de conhecimento e competência.

Vejamos o arsenal terapêutico da MTC:
1) Acupuntura clássica, os microssistemas e o emprego de tecnologias em Acupuntura (raio laser, eletroestimulação, estimulação eletromagnética, procedimentos mesoterápicos, procedimentos de escarificação cutânea, procedimentos diversos com ventosas e sangrias e cauterização subcutânea).
2) Moxabustão de vários tipos e associados à Acupuntura.
3) Shiatsu/Tuiná/Seitai e outras metodologias orientais de manipulação energética corporal.
4) Fitofarmacoterapia chinesa e a sua ampla complexidade prescricional.
5) Dietoterapia chinesa e aspectos nutricionais de alta vitalidade.
6) Cinesioterapia energética chinesa e exercícios de mobilização energética.
7) Práticas terapêuticas meditativas da MTC e ações mobilizatórias da energia (Qi) mental.

Ao atentarmos para a rica constelação terapêutica da medicina tradicional de gênese sino-japonesa é possível discernir sobre a complexidade de atuação do acupunturista nesse contexto, pois deveria trabalhar sob uma racionalidade de um sistema integrado. Mais do que isso, um fator necessita ser enfatizado: os diversos recursos da MTC são coerentes e complementares, fazendo parte de um processo contínuo de atuação no cuidado com a saúde, controle de doenças, e promoção do bem-estar humano.

Relevante é, também, fortalecer o conceito humanista de que é mais importante para o terapeuta conhecer o doente que tem a doença, do que apenas a doença que ele possa ter. Esta assertiva é centrada na autoridade da natureza e na grandeza da essência da existência humana, pois não há nada mais importante na vida do que a própria vida, e a saúde é a condição fundamental para a manutenção e continuidade da mesma. Não há hipótese, no sistema oriental de saúde, de particularizar procedimentos ou fragmentar conhecimentos e práticas sem levar em conta o todo do organismo e da vida humana, de sua realidade social, familiar, laboral e existencial.

Definitivamente, não se justifica mais a sonegação de informações e de conhecimentos na formação do profissional em Acupuntura. No caso de quem ensina, o desconhecimento do todo da MTC demonstra a necessidade de continuidade nos estudos com o intuito de se apurar a percepção de que o humanismo e o tecnicismo podem se complementar, mas não são iguais, considerando que a ênfase no ser humano é mais importante do que o destaque na valorização da técnica, da ferramenta e do mecanicismo materialista.

Ao conscientizar a realidade da Acupuntura no Ocidente, e em particular no Brasil, fica patente que os conselhos profissionais da área da saúde não têm, absolutamente, competência para legislar sobre o assunto ou formular regras sobre temas acadêmicos, posto que se trata de um conhecimento muito diferente do sistema biomédico ocidental. A Acupuntura não pode ser considerada um complemento, um acessório, um apêndice da medicina convencional. Ao elastecer campos de trabalho, albergando competências de que, originalmente, não possuem, e ao criar normas sobre o que ignoram, tais entidades corporativas adotam posições rasteiras e egoístas, perdendo o bom senso e infringindo a ética, a mesma que exigem de seus profissionais, mediante códigos.

Apesar da injusta realidade desencadeada por ignorância de pessoas desinteressadas na verdadeira Acupuntura vinculada ao sistema integrado, holístico e humanista da cultura oriental, indaga-se: por que não estudar a verdadeira Acupuntura e o rico sistema de saúde oriental? Por que se resignar com pseudoconhecimentos e se rejubilar com títulos de especialista concedidos por cursinhos que ensinam o que não sabe e titulam o que não poderiam, contando com o aval de entidades dirigidas por pessoas tolas e manipuladoras?

Por fim, ao remover o véu da estupidez educativo-laboral do ensino da Acupuntura e ao evidenciar a carência cultural do paradigma integrado humanista, resta ao estudante dessa área perguntar: por onde começar? O que esperar? Quais são as vantagens?

As respostas são óbvias e muito simples: aquele que iniciar o estudo da Acupuntura e do sistema humanista oriental de saúde vai se deparar com alguns desafios, desde o reconhecimento de quem pode ensinar, até uma projeção clara do que esperar com o aprendizado; porém, são as vantagens que vão transcender as expectativas do treinamento e do êxito profissional. Isto porque os ensinamentos poderão produzir uma profunda transformação na vida do estudante, através da expansão da consciência de valores essenciais da vida e da natureza humana. Torna-se imperativa a transformação de um bom profissional em um ser humano melhor, que percebe que antes de ser um terapeuta, ele é um ser humano e, como tal, verdadeiro agente consciente da importância do sentimento de solidariedade, da certeza da necessidade da paz interior influenciando o meio social, e da transmissão de amor ao próximo, ao enfermo, e a todos os seres viventes.

Após esta explanação minudente sobre o ensino da Acupuntura no Brasil, pergunta-se: quais são as instituições de ensino de Acupuntura e de Medicina Tradicional Chinesa que estão preocupadas com os graves problemas da formação do acupunturista brasileiro?

Dr. SOHAKU BASTOS
• Fundador e Diretor-Geral do Sistema Educacional ABACO/CBA.
• Diretor Institucional da UNIBAHIA e Faculdades Integradas.
• Presidente da Federação Brasileira das Sociedades de Acupuntura e Práticas Integrativas em Saúde (FEBRASA).
• Diretor para o Brasil da World Federation of Acupuncture and Moxibustion Societies (WFAS).em relação oficial com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
• Membro Titular da China Association of Acupuncture and Moxibustion, do Governo da Rep. Pop. da China. (CAAM).
• Membro Acadêmico da World Federation of Chinese Medicine Socities (WFCMS).
• Ex-Conselheiro de Educação do Governo do Estado do Rio de Janeiro (Câmara de Educação Superior e Profissional).

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